1. Luto
O luto, pela psicanálise, é reconhecido como o processo que
ocorre com um indivíduo após a perda de alguém ou algo – este pode ser um
relacionamento, um objeto ou uma atividade geradora de prazer, por exemplo.
Assim como a morte de alguém causa o luto em um indivíduo, a “morte” de algo
com o qual se estava acostumado, gera uma reação semelhante.
Para Freud (2011, p. 46):
O
luto, via de regra, é a reação à perda de uma pessoa querida ou de uma
abstração que esteja no lugar dela, como pátria, liberdade, ideal, etc. sob as
mesmas influências, em muitas pessoas se observa em lugar do luto uma
melancolia, o que nos leva a suspeitar nelas uma disposição patológica. É
também digno de nota que nunca nos ocorre considerar luto como estado
patológico, nem encaminhá-lo para tratamento médico, embora ele acarrete graves
desvios de conduta normal da vida. Confiamos que será superado depois de algum
tempo e consideramos inadequado e até mesmo prejudicial perturbá-lo.
Muitas vezes, o ritmo de vida acelerado que a sociedade
impõe hoje, força o indivíduo a encurtar, ou até mesmo, não viver seu período
de luto. O luto não está completamente superado e já há uma cobrança – interna
e externa – para que a determinada perda seja substituída por outro algo ou
alguém, independentemente de sua tamanha importância e sua real necessidade.
Quando o processo é vivido, devidamente sentido e, por consequência, superado,
a própria libido se encarrega de substituir o objeto amado por algo que
realmente lhe desperte energia e assim a vida pode seguir de uma maneira
funcional e saudável, afinal, a substituição foi feita naturalmente, não como
uma forma de imposição.
O luto não deve ser evitado,
ele precisa ser vivido para que então possa ser superado, caso contrário, ele
pode aparecer ou retomar muito tempo após a perda e, então, ser ainda mais
difícil e demorado seu diagnóstico – visto que é comum que ele se
manifeste e permaneça entre 6 e 24 meses após o evento traumático – caso ele
permaneça após este período, é necessária uma maior atenção com o indivíduo.
Durante o processo de luto, o ódio se direciona ao objeto
perdido, já na melancolia, o ódio volta-se ao Ego. Enquanto um culpa o outro,
situações externas, o outro atrai para si toda a culpa pela perda, sua falta de
capacidade em manter o objeto de amor, encara a perda como um castigo devido
não ter tido a capacidade de manter o cuidado necessário. Apesar desta
observação de Freud, o luto não é considerado patológico. “O luto normal também
supera a perda do objeto e enquanto dura ele absorve igualmente todas as
energias do Ego”, Freud (2011, p. 76).
Freud observou cinco passagens de estados do indivíduo que
está passando pelo processo de luto, são estas:
Ø Negação
e isolamento: a não aceitação da realidade;
Ø Raiva:
questionar o quanto a perda é justa;
Ø Barganha:
geralmente ocorre uma aproximação a religião – promessas;
Ø Depressão:
onde passa a haver consciente da situação, que se mostra irreversível;
Ø Aceitação:
a continuidade ou a busca por uma nova rotina.
Melanie Klein apresenta para os estudos dois novos objetos:
a posição esquizoparanóide e a depressiva, que estão relacionadas ao
desenvolvimento (não pleno, ou até mesmo a fixação) das fases infantis oral e
anal, respectivamente. A primeira é uma combinação entre os impulsos destrutivos onipotentes, a ansiedade
persecutória e a cisão predominam nos primeiros três meses de vida. Já a
posição depressiva está ligada a ansiedade vivida pela criança, que, na teoria
kleiniana, inicia a formação de seu Superego por volta do sexto mês de vida,
assim, o bebê começa a temer pelo estrago que seus impulsos destrutivos e sua
voracidade podem causar, ou podem ser causa, aos seus objetos amados,
vivenciando o sentimento de culpa e a necessidade presente de preservar esses
objetos e de repará-los pelo dano feito.
1.1 Melancolia
Para Roudinesco e Plon (1998 [1944], p. 505):
Termo
derivado do grego melas (negro) e kholé (bile), utilizado em filosofia,
literatura, medicina, psiquiatria e psicanálise para designar, desde a
antiguidade, uma forma de loucura caracterizada pelo humor sombrio, isto é, por
uma tristeza profunda, um estado depressivo capaz de conduzir ao suicídio, e
por manifestações de medo e desânimo que adquirem ou não o aspecto de um delírio.
Em muitos casos, após o processo de luto, é identificada a
melancolia, ela seria uma espécie de luto continuado, porém, mais severo. Esta
pode ser caracterizada como um princípio de depressão, visto que suas
características são o desânimo, o desinteresse por atividades antes geradoras
de prazer, depreciação de si e uma fixação exacerbada no objeto perdido.
Em casos de
morte, é comum que o sujeito acometido pela melancolia não permita
mexer ou doar qualquer pertence da vítima. Em fins de relacionamentos, histórias
fantasiosas e a insistência em retomar a relação podem culminar em crimes
passionais, movidos pela depressão – pelo desejo de pôr fim em sua dor.
Para Freud (2011, p. 44), “a melancolia, cuja definição
conceitual é oscilante, mesmo na psiquiatria descritiva, apresenta-se sob
várias formas clínicas, cuja síntese em uma unidade não parece assegurada, e
dentre estas, algumas sugerem afecções mais somáticas que psicógenas”.
Diferentemente do processo de luto, para Freud, a
melancolia pode ser considerada patológica, pois ela está relacionada com a
perda de um objeto que fazia parte do Ego, aí então a dificuldade em substituir
e ressignificar o objeto, ou seja, reconstituir o Ego que foi diretamente
atingido e já não consegue mais executar em plenitude suas tarefas. “O conflito
no Ego, que melancolia troca pela luta em torno do objeto, tem de operar com
uma ferida dolorosa, que exige um contrainvestimento extraordinariamente elevado”,
Freud (2011, p. 84). Neste momento aparece a culpa e agrava-se a depreciação
contra si, devido à fragilidade apresentada pelo Ego (a fragilidade do Ego pode
levar até sua morte, esta, que culmina no suicídio, onde não é mais visto pelo
indivíduo uma razão para viver) – muitas vezes, a tentativa do mesmo pode ser
um processo histérico, onde não há a busca pela morte e sim o objetivo de
tornar-se vítima e conquistar a atenção vista como necessária.
Esta perda acarreta na perda pulsional, na perda de amar,
inclusive a si mesmo, pois não há mais uma completude. Acontece neste momento
um autoexame muito severo, fazendo com que o ódio se volte ao Ego - contrário
ao processo de luto, onde o ódio volta-se ao objeto de amor até aquele momento.
Sobre a diferença entre luto e melancolia, Freud (2011, p.
46):
A melancolia se caracteriza por um desanimo
profundamente doloroso, uma suspensão do interesse pelo mundo externo, perda da
capacidade de amar, inibição de toda atividade e um rebaixamento do sentimento
de autoestima, que se expressa em autorecriminação e autoinsultos, chegando até
a expectativa delirante de punição. Esse quadro se aproximará mais de nossa
compreensão se considerarmos que o luto revela os mesmos traços, exceto um:
falta nele a perturbação do sentimento de autoestima.
Assim, o melancólico torna-se desleixado com si mesmo, com
sua saúde, aparência, pois não há mais a pulsão de vida atuante nem a libido
como fonte de energia e condução para suas ações. Seria assim, uma maneira do
Ego se vingar em si mesmo pela perda, pois ele foi o culpado da mesma, de seu
abandono e falta. Para Freud (2004 [1915], p. 146), “a pulsão nunca age como
uma força momentânea de impacto, mas sempre com uma força constante. Como não
provém do exterior, mas agride a parte interior do corpo, a fuga não é de
serventia alguma”.
Em casos de depressão ou
lutos prolongados e melancolias profundas, a psicanálise toma como ajudantes as
psicoterapias e as drogas controladas pela psiquiatria – visto que o mal
psíquico já conseguiu tomar conta do corpo e também deixá-lo debilitado,
tornando quase que impossível a melhora – a cura – do indivíduo por meio
dos insights possibilitados através da psicanálise.
1.2 Arte melancólica
Edvard
Munch (1893-1944) foi um pintor norueguês que se mudou para Paris em busca de
aperfeiçoamento para sua arte, lá teve contato com suas grandes influências:
Picasso, Toulouse Lautrec, Gaughin, Van Gogh e Seurat. Munch retornou à Noruega
em 1908 e lá se estabeleceu com um dos expoentes da corrente artística do
expressionismo.
Sua obra
mais famosa é o quadro “O Grito" (Anexo A), pintado em 1895, representa um
dos símbolos artísticos do século 20. O sentimento de angústia e desespero
representados na obra leva a crer que ela, segundo muitos críticos, é uma das
sínteses artísticas da modernidade, época em que ocorreram duas grandes guerras
e o surgimento de regimes totalitários, como o comunismo.
A vida
difícil de Munch refletiu-se em sua obra. Perdeu a mãe e duas irmãs ainda
criança e foi criado por um pai controlador. O pintor também não tinha boa
saúde e a morte foi praticamente uma presença constante em sua vida. Suas
últimas obras continham os sentimentos que lhes eram comuns: o medo de forças
da natureza, da morte e a melancolia.