Uma leitura psicanalítica da trilogia "50 Tons de Cinza"
Capítulo 3: PERVERSÕES
E PARAFILIAS
Laplanche
e Pontalis (1992, p. 341) definem perversão como sendo o:
Desvio em relação ao
ato sexual normal, definido este como coito que visa a obtenção do orgasmo por
penetração genital, com uma pessoa do sexo oposto. Diz-se haver perversão: onde
o orgasmo é alcançado com outros objetos sexuais ou através de outras regiões
do corpo onde o orgasmo acha-se totalmente subordinado a certas condições
extrínsecas, que podem mesmo ser suficientes, em si mesmas, para ocasionar
prazer sexual. Num sentido mais abrangente, perversão tem a conotação da
totalidade do comportamento psicossexual que acompanha tais meios atípicos de
obter-se prazer sexual.
Ressalta-se
que na mesma publicação há um novo dado, onde:
Em 1987, sem a menor
discussão teórica, o termo perversão desapareceu da termologia psiquiátrica
mundial e foi substituído por parafilia, na qual não mais se incluiu a
homossexualidade. [...] Freud conservou o termo para designar os comportamentos
sexuais desviantes em relação a uma norma estrutural (e não mais social) e nela
incluiu a homossexualidade, da qual fez uma perversão do objeto caracterizada
por uma fixação da sexualidade numa inclinação bissexual.
Logo em seguida, em 1990, a
Organização Mundial da Saúde – OMS, retirou da homossexualidade a condição de
patologia. A partir deste tema, pode-se observar como Freud estava além do seu
tempo. O médico, ao observar não somente o padrão imposto socialmente da época,
ia além da medicina tradicional.
Mais uma vez, fica claro que o
prazer, para a psicanálise, está muito além de um ato físico, seja para o homem
ou para a mulher – e independente deste prazer ser procurado e sentido na
unidade do próprio sujeito, com uma ou mais pessoas, também aceitando a
presença de objetos. Pode-se dizer, então, que, todo sujeito possui um lado
perverso – ao menos no âmbito sexual.
Sobre a parafilia principal apresenta
aqui neste trabalho, o sadomasoquismo, Freud (1905 [1974], p. 149)
sustenta que:
A particularidade mais
notável dessa perversão reside (...) em que suas formas ativa e passiva
costumam encontrar-se juntas numa mesma pessoa. Quem sente prazer em provocar
dor no outro na relação sexual é também capaz de gozar, com prazer, de qualquer
dor que possa extrair das relações sexuais. O sádico é sempre e ao mesmo tempo
um masoquista, ainda que o aspecto ativo ou passivo da perversão possa ter-se
desenvolvido nele com maior intensidade e represente sua atividade sexual predominante.
Esta definição dada por Freud
costuma frustrar um tanto quanto aqueles que se intitulam sadistas ou
masoquistas, afinal, na prática, direta, consideram-se adeptos de uma única
fonte de prazer, onde, na verdade, o prazer está ligado a diversos objetos –
considerando pessoas e itens inanimados realmente.
O desejo pela dor – sofrer ou causar
– não está somente na dor física, mas, na necessidade em punir ou ser punido
presente no inconsciente do indivíduo. As marcas deixadas na pele e os riscos
corridos durante a prática fazem parte do universo dos perversos. Aqui, o
prazer não é somente físico, assim como o sofrimento. A degradação, muito
citada em Sade, é grande estimulante para os praticantes do sadomasoquismo –
colocar o outro em situação de risco ou humilhante, exalta a necessidade da
busca pelo poder em um âmbito que pode ser conquistado.
Sade, um rico marquês francês, tinha
ao seu alcance dinheiro e poder, mesmo assim, era adepto das práticas perversas
sexuais. Ele buscava algo diferente do que estava lhe sendo ofertado com
facilidade, seu consciente estava satisfeito, porém, ele ainda sentia uma
falta, um vazio, este que foi preenchido com o sadomasoquismo entre outras
fantasias e desejos colocados em prática com homens e mulheres.
Para Freud, (2007 [1924], p.111):
O masoquismo moral caracteriza-se principalmente
pelo fato de que nela se afrouxa a relação com o que habitualmente
reconheceríamos como pertencente ao campo da sexualidade. Nele não encontramos
a condição básica de todos os outros sofrimentos masoquistas, isto é, que eles
sejam causados pela pessoa amada e suportados somente porque se emanam. Aqui é
o sofrimento que importa, parta ele da pessoa amada ou de uma figura qualquer.
Ele pode ser provocado por forças ou contingencias impessoais. Não faz a menor
diferença, o verdadeiro masoquista, sempre que houver oportunidade, oferecerá a
outra face. Assim, parece evidente que, neste caso, deveríamos deixar a libido
de lado e nos restringirmos à suposição de que aqui a pulsão de destruição foi
novamente redirecionada para dentro e atua violentamente contra o próprio
Si-mesmo [Selbst]. Por outro lado, não devemos deixar de notar que, no uso
linguístico corrente não se afrouxou a conexão desta forma de comportamento com
o erotismo, pois se designa também essas pessoas auto-destrutivas de
masoquistas.
Conforme já citado, e reforçado a partir de
Freud, o masoquista busca o sofrimento quando vê oportunidade, ele sente a
necessidade de punição, de ser castigado – este desejo está ligado a fase
infantil do Complexo de Édipo e da castração. Para a psicanálise, toda a
energia tem origem na libido, ou seja, todo ato e desejo possui um caráter
sexual – mesmo que inconsciente e/ ou sublimado. Ressalta-se, que, para a
psicanálise, sexual não está diretamente ligado com sexo. A libido busca o
prazer, seja ele sexual, profissional, ou qualquer tipo de reconhecimento,
esporte, entre outros – afinal, cada indivíduo é único, assim como seus
desejos.
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