terça-feira, 13 de outubro de 2015

A visão psicanalítica sobre a autora e os leitores de "50 Tons de Cinza"

Uma leitura psicanalítica da trilogia "50 Tons de Cinza"
Capítulo 2: A VISÃO PSICANALÍTICA SOBRE A AUTORA E OS LEITORES

                                                                                                                    Imagem: Reprodução Internet

            A trilogia 50 Tons de Cinza é a primeira obra literária de uma profissional da área educacional – também já se aventurou pelo campo da televisão. Erika Mitchell, ou simplesmente E. L. James, uma inglesa na faixa etária dos 50 anos, casada e com um filho de 20 anos, define sua obra como: “está é a minha crise de meia idade, com letras maiúsculas”.
            A partir dos dizeres da autora e de sua obra, é possível conhecer um pouco mais sobre sua personalidade. Ou, melhor, é possível especular e muito sobre o surgimento de tamanha riqueza de detalhes. Não se pode negar, existem autores clássicos com tamanha facilidade na escrita, porém, estes também colocam um pouco – ou muito – de si em suas obras.
A psicanálise, ao tratar da sublimação, enfoca justamente o deslocamento da energia libidinal para atividades como o trabalho. Parece este o caso de James, porém, não de uma forma inconsciente. Os desejos de uma mulher, não somente seus próprios, mas também aqueles ouvidos durante uma vida toda de amigas, colegas, e, até mesmo, a mescla de outros personagens fictícios. Há uma condensação de desejos e fantasias no imaginário – inconsciente – e, então, eles explodem, mesmo sublimados. Exteriorizar de forma literária, fantasiosa, é uma maneira de obter prazer, a maneira na qual Id e Superego encontraram de se satisfazerem.
Para Roudinesco (1998, p. 171):

A teoria da sexualidade também sofre uma torção: despejada na sublimação, a libido assegura uma dessexualização das pulsões agressivas. Quanto mais forte é o eu, mais ele reforça seu quantum de energia neutralizada. Quanto mais ele é fraco, menos funciona a neutralização.

As instâncias psíquicas buscam o prazer, porém, cada uma à sua maneira. Neste caso, pode-se especular que o Superego não permitiu que o Id realizasse as fantasias sadomasoquistas, então, surgiu a oportunidade de um terceiro realizar, Anastasia. Mesmo assim, ao transferir esta realização, sendo que o mandante continua sendo a autora da obra, há também a obtenção do prazer.
É possível também observar os prazeres secundários obtidos através da obra. Dinheiro, fama. Afinal, no ano subsequente de lançamento de seu primeiro livro, 2012, James foi considerada, pela revista Tempo, uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. O prazer em ser reconhecido é também considerado uma espécie de sublimação.

> A relação das instâncias psíquicas com o princípio do prazer

            O Id, o Ego e o Superego são as três instâncias do aparelho psíquico que “controlam” cada indivíduo. Com esta tópica Freud fez cair por terra um dos últimos poderes que restavam ao homem – após Copérnico e Darwin – a do autocontrole. Com a apresentação das três instâncias, o médico deixou claro que não há um controle absoluto sobre as ações, há, sim, um movimento do aparelho psíquico durante cada tomada de decisão.
O Id - que está mais para o inconsciente – está relacionado com os desejos, libidos, a busca prelo prazer – o princípio do prazer. O Ego está mais para o princípio de realidade, logo, o consciente – ele faz as mediações entre prazeres e realidade. Acompanhando os dois, está o Superego, este que faz o papel mais rígido, é o mais racional, aquele que condena, reprime, proíbe.
Todo indivíduo possui uma das três instâncias mais fortes, porém, para manter a saúde mental, é preciso que elas consigam trabalhar em grupo e possa sobressair, no momento oportuno, a que melhor trará uma solução para o indivíduo – sem gerar culpa ou angustia – possíveis causadoras de uma futura neurose.
 Na fase adulta, após vivenciar as fases oral, anal e fálica, um indivíduo saudável – que conseguiu superar todas as fases – encontra-se na fase genital, onde o objeto de prazer já não é mais interno e sim externo, o outro. Na fase adulta também, o princípio do prazer infantil é substituído pelo princípio de realidade – onde o indivíduo compreende que nem todos os seus desejos podem ser atendidos fidedignamente a sua fantasia delirante inconsciente e carregada de libido.
Diferentemente do que possa se pensar inicialmente, o prazer não está ligado a um aumento de excitação. O prazer é sim uma descarga de energia, ou seja, uma diminuição da excitação. O auge, o ápice, do prazer seria um acúmulo de energia, gerando excitação, inquietude, buscando, então, a calmaria e tranquilidade de libertar estes desejos.
Assim, pode-se enxergar o princípio do prazer que, em um indivíduo com devido funcionamento psíquico, será substituído em sua vida adulta pelo princípio de realidade. O princípio do prazer está relacionado ao momento infantil – seja na infância ou não. A busca pelo prazer sem medir consequência, sem passar pelo crivo de Ego e Superego. Já o princípio da realidade, quando ativo e em pleno funcionamento, busca, também, o prazer, porém, de uma maneira mais contida e realista, pode não alcançar, em vista ao princípio do prazer, um desejo tão intenso, porém, não será acometido pela culpa – gerada pelo Superego – após a realização e o alcance do prazer sem medidas.
Conforme Freud (1937, v. 23, p. 198):

O id obedece ao inexorável princípio de prazer. E não apenas o id. Parece que a atividade dos outros agentes psíquicos também é apenas capaz de modificar o princípio de prazer, mas não de anulá-lo; e permanece uma questão da mais alta importância teórica, e uma que ainda não foi respondida, quando e como seria possível, em algum momento, o princípio de prazer ser superado.

É no período da infância que a criação conhece os prazeres e desprazeres. Por exemplo, durante a brincadeira com o carretel observada por Freud, o citado por ele como "fort da". A criança aprende que o brinquedo se vai, ao ser jogado, porém, ele volta. Ele descobre o poder que ele próprio possui de distanciar algo dele e, posteriormente, trazê-lo de volta. Bem como o prazer e o desprazer da presença da mãe ou cuidador. Há o prazer em tê-lo presente, logo seguido do desprazer em não possuí-lo todo o tempo e sim, quando lhe é possível. Esta brincadeira torna possível e reconhecível logo nos primeiros anos o tamanho prazer gerado pela volta do objeto amado, do objeto de desejo – a tal saudade, existente somente no vocabulário brasileiro, porém, citado nas demais línguas como o sentir falta.
A energia, então, armazenada no Ego, está sempre focada em algo bom – direta ou indiretamente. Ao observar um comportamento, principalmente aqueles de repetição, o sujeito está buscando algo que, em um determinado momento, lhe foi bom. Este comportamento pode demonstrar que o presente momento de vida não está agradável, pois está sendo buscado algo do passado para ser retomado.
A energia catexizada em algo não pode ser utilizada em outra atividade, ela está ali, presa, até ser realocada, direcionada corretamente, ou então conseguir alcançar seu objetivo que é a explosão de prazer que busca através daquele ponto desejado.
Esta energia, para Freud, é a energia libidinal. O autor dá à libido um novo significado: “a manifestação da pulsão sexual na vida psíquica e, por extensão, a sexualidade humana em geral e a infantil em particular, entendida como casualidade psíquica (neurose), disposição polimorfa (perversão), amor próprio (narcisismos) e sublimação”. O termo, anterior a psicanálise, designava uma energia própria do instinto sexual, conforme Roudinesco (1992, p. 471).


>  O público

Um dos motivos do masoquismo de Anastasia ter chamado atenção da mídia brasileira pela sua propagação entre as leitoras, foi a recente criação da lei Maria da Penha, onde muitas mulheres que sofrem agressões do marido passaram a contar com – supostamente - uma maneira mais rápida e eficaz de serem atendidas e protegidas pela justiça.
Para que a lei seja cumprida – não considerando os inúmeros casos especiais e contradições entre elas próprias – ela precisa ser solicitada. Uma mulher que sofre maus tratos por parte do companheiro não precisa mais ir até a uma delegacia, um terceiro pode fazer a denúncia e, então, as autoridades farão a checagem. Não são poucos os casos onde a mulher retira a queixa ou nega a denúncia.
Pode-se considerar, então, esta relação como sadomasoquista. Sim, um pouco diferente da situação vivida por Anastasia, porém, está enquadrada na mesma “parafilia”. Considerando a situação de ambas, Grey é claro sobre sua necessidade em agredir sua amada, ele expõe seu desejo e seu prazer. Já, na maioria dos casos onde a Lei Maria da Penha é aplicada, o companheiro não assume sua busca pelo prazer, ele mesmo não está consciente de seus desejos – está tentando sublimar seu real desejo, porém, não conseguindo, pois encontrou alguém que aceite a realização de seu ato repleto de energia libidinal.
Grey, apesar de, até conhecer Anastasia, não se importar com seu gosto peculiar pelo sadismo, mostrou-se consciente do desejo e de parte de sua origem – seus sofrimentos infantis relacionados a mãe. A psicanálise torna consciente estes desejos e, então, vai do indivíduo assumir suas fantasias inconscientes e traze-las ao consciente, buscando a realização, ou deixa-la lá e trazer apenas a energia sublimada e alocada em outro objeto de desejo e possível gerador de prazer.
Como citado anteriormente, o prazer é muito pessoal, cada indivíduo experimenta e vivencia de uma maneira diferente. A trilogia impressa, tanto quanto a filmologia, podem ter seus leitores e expetadores também taxados como uma espécie de voyeures modernos.
Para Mauribeca (2009, p. 121):

O voyeurismo envolve o ato de olhar indivíduos, comumente estranhos, sem suspeitar que estejam sendo observados, que estão nus, a se despirem ou em atividade sexual. O ato de observar serve à finalidade de obter excitação sexual, e habitualmente não é tentada qualquer atividade sexual com a pessoa observada.

Na atualidade muito se fala sobre a liberdade conquistada, porém, muitos indivíduos ainda são julgados por seus atos, mesmo os mais íntimos, assim, se tornam adeptos da sublimação ou de práticas mais brandas, como a proposta: voyeur moderno – pois este não estaria arriscando diretamente sua pessoa, ele não observaria pessoas reais, mas, sim, aquelas criadas em seu imaginário e instigadas por leituras como a trilogia 50 tons.

Assim, entre as inúmeras possibilidades expostas para o sucesso de vendas, seria o prazer através do outro e o prazer simbólico, de uma maneira, sublimado. Encontra-se aqui um mecanismo de defesa – a sublimação – e uma perversão – o voyeurismo, ambos termos freudianos e atuais, pois cada vez mais identificam-se doenças modernas trazidas pela ilusão de que hoje os indivíduos estão vivendo em sociedade livre – a sociedade citada refere-se a brasileira, já adianta perante muitas, ao observar mais de perto, porém, ainda muito enraizada em preconceitos religiosos e controle político.

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