terça-feira, 3 de novembro de 2015

Luto e melancolia

1.    Luto
O luto, pela psicanálise, é reconhecido como o processo que ocorre com um indivíduo após a perda de alguém ou algo – este pode ser um relacionamento, um objeto ou uma atividade geradora de prazer, por exemplo. Assim como a morte de alguém causa o luto em um indivíduo, a “morte” de algo com o qual se estava acostumado, gera uma reação semelhante.
Para Freud (2011, p. 46):
O luto, via de regra, é a reação à perda de uma pessoa querida ou de uma abstração que esteja no lugar dela, como pátria, liberdade, ideal, etc. sob as mesmas influências, em muitas pessoas se observa em lugar do luto uma melancolia, o que nos leva a suspeitar nelas uma disposição patológica. É também digno de nota que nunca nos ocorre considerar luto como estado patológico, nem encaminhá-lo para tratamento médico, embora ele acarrete graves desvios de conduta normal da vida. Confiamos que será superado depois de algum tempo e consideramos inadequado e até mesmo prejudicial perturbá-lo.
Muitas vezes, o ritmo de vida acelerado que a sociedade impõe hoje, força o indivíduo a encurtar, ou até mesmo, não viver seu período de luto. O luto não está completamente superado e já há uma cobrança – interna e externa – para que a determinada perda seja substituída por outro algo ou alguém, independentemente de sua tamanha importância e sua real necessidade. Quando o processo é vivido, devidamente sentido e, por consequência, superado, a própria libido se encarrega de substituir o objeto amado por algo que realmente lhe desperte energia e assim a vida pode seguir de uma maneira funcional e saudável, afinal, a substituição foi feita naturalmente, não como uma forma de imposição.
O luto não deve ser evitado, ele precisa ser vivido para que então possa ser superado, caso contrário, ele pode aparecer ou retomar muito tempo após a perda e, então, ser ainda mais difícil e demorado seu diagnóstico – visto que é comum que ele se manifeste e permaneça entre 6 e 24 meses após o evento traumático – caso ele permaneça após este período, é necessária uma maior atenção com o indivíduo.
Durante o processo de luto, o ódio se direciona ao objeto perdido, já na melancolia, o ódio volta-se ao Ego. Enquanto um culpa o outro, situações externas, o outro atrai para si toda a culpa pela perda, sua falta de capacidade em manter o objeto de amor, encara a perda como um castigo devido não ter tido a capacidade de manter o cuidado necessário. Apesar desta observação de Freud, o luto não é considerado patológico. “O luto normal também supera a perda do objeto e enquanto dura ele absorve igualmente todas as energias do Ego”, Freud (2011, p. 76).
 Freud observou cinco passagens de estados do indivíduo que está passando pelo processo de luto, são estas:
Ø  Negação e isolamento: a não aceitação da realidade;
Ø  Raiva: questionar o quanto a perda é justa;
Ø  Barganha: geralmente ocorre uma aproximação a religião – promessas;
Ø  Depressão: onde passa a haver consciente da situação, que se mostra irreversível;
Ø  Aceitação: a continuidade ou a busca por uma nova rotina.
Melanie Klein apresenta para os estudos dois novos objetos: a posição esquizoparanóide e a depressiva, que estão relacionadas ao desenvolvimento (não pleno, ou até mesmo a fixação) das fases infantis oral e anal, respectivamente. A primeira é uma combinação entre os impulsos destrutivos onipotentes, a ansiedade persecutória e a cisão predominam nos primeiros três meses de vida. Já a posição depressiva está ligada a ansiedade vivida pela criança, que, na teoria kleiniana, inicia a formação de seu Superego por volta do sexto mês de vida, assim, o bebê começa a temer pelo estrago que seus impulsos destrutivos e sua voracidade podem causar, ou podem ser causa, aos seus objetos amados, vivenciando o sentimento de culpa e a necessidade presente de preservar esses objetos e de repará-los pelo dano feito.
 1.1 Melancolia
Para Roudinesco e Plon (1998 [1944], p. 505):
Termo derivado do grego melas (negro) e kholé (bile), utilizado em filosofia, literatura, medicina, psiquiatria e psicanálise para designar, desde a antiguidade, uma forma de loucura caracterizada pelo humor sombrio, isto é, por uma tristeza profunda, um estado depressivo capaz de conduzir ao suicídio, e por manifestações de medo e desânimo que adquirem ou não o aspecto de um delírio.
Em muitos casos, após o processo de luto, é identificada a melancolia, ela seria uma espécie de luto continuado, porém, mais severo. Esta pode ser caracterizada como um princípio de depressão, visto que suas características são o desânimo, o desinteresse por atividades antes geradoras de prazer, depreciação de si e uma fixação exacerbada no objeto perdido.
Em casos de morte, é comum que o sujeito acometido pela melancolia não permita mexer ou doar qualquer pertence da vítima. Em fins de relacionamentos, histórias fantasiosas e a insistência em retomar a relação podem culminar em crimes passionais, movidos pela depressão – pelo desejo de pôr fim em sua dor.
Para Freud (2011, p. 44), “a melancolia, cuja definição conceitual é oscilante, mesmo na psiquiatria descritiva, apresenta-se sob várias formas clínicas, cuja síntese em uma unidade não parece assegurada, e dentre estas, algumas sugerem afecções mais somáticas que psicógenas”.
Diferentemente do processo de luto, para Freud, a melancolia pode ser considerada patológica, pois ela está relacionada com a perda de um objeto que fazia parte do Ego, aí então a dificuldade em substituir e ressignificar o objeto, ou seja, reconstituir o Ego que foi diretamente atingido e já não consegue mais executar em plenitude suas tarefas. “O conflito no Ego, que melancolia troca pela luta em torno do objeto, tem de operar com uma ferida dolorosa, que exige um contrainvestimento extraordinariamente elevado”, Freud (2011, p. 84). Neste momento aparece a culpa e agrava-se a depreciação contra si, devido à fragilidade apresentada pelo Ego (a fragilidade do Ego pode levar até sua morte, esta, que culmina no suicídio, onde não é mais visto pelo indivíduo uma razão para viver) – muitas vezes, a tentativa do mesmo pode ser um processo histérico, onde não há a busca pela morte e sim o objetivo de tornar-se vítima e conquistar a atenção vista como necessária.
Esta perda acarreta na perda pulsional, na perda de amar, inclusive a si mesmo, pois não há mais uma completude. Acontece neste momento um autoexame muito severo, fazendo com que o ódio se volte ao Ego - contrário ao processo de luto, onde o ódio volta-se ao objeto de amor até aquele momento.
Sobre a diferença entre luto e melancolia, Freud (2011, p. 46):
A melancolia se caracteriza por um desanimo profundamente doloroso, uma suspensão do interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição de toda atividade e um rebaixamento do sentimento de autoestima, que se expressa em autorecriminação e autoinsultos, chegando até a expectativa delirante de punição. Esse quadro se aproximará mais de nossa compreensão se considerarmos que o luto revela os mesmos traços, exceto um: falta nele a perturbação do sentimento de autoestima.
Assim, o melancólico torna-se desleixado com si mesmo, com sua saúde, aparência, pois não há mais a pulsão de vida atuante nem a libido como fonte de energia e condução para suas ações. Seria assim, uma maneira do Ego se vingar em si mesmo pela perda, pois ele foi o culpado da mesma, de seu abandono e falta. Para Freud (2004 [1915], p. 146), “a pulsão nunca age como uma força momentânea de impacto, mas sempre com uma força constante. Como não provém do exterior, mas agride a parte interior do corpo, a fuga não é de serventia alguma”.
Em casos de depressão ou lutos prolongados e melancolias profundas, a psicanálise toma como ajudantes as psicoterapias e as drogas controladas pela psiquiatria – visto que o mal psíquico já conseguiu tomar conta do corpo e também deixá-lo debilitado, tornando quase que impossível a melhora – a cura – do indivíduo por meio dos insights possibilitados através da psicanálise.
1.2 Arte melancólica

            Edvard Munch (1893-1944) foi um pintor norueguês que se mudou para Paris em busca de aperfeiçoamento para sua arte, lá teve contato com suas grandes influências: Picasso, Toulouse Lautrec, Gaughin, Van Gogh e Seurat. Munch retornou à Noruega em 1908 e lá se estabeleceu com um dos expoentes da corrente artística do expressionismo.

Sua obra mais famosa é o quadro “O Grito" (Anexo A), pintado em 1895, representa um dos símbolos artísticos do século 20. O sentimento de angústia e desespero representados na obra leva a crer que ela, segundo muitos críticos, é uma das sínteses artísticas da modernidade, época em que ocorreram duas grandes guerras e o surgimento de regimes totalitários, como o comunismo.

A vida difícil de Munch refletiu-se em sua obra. Perdeu a mãe e duas irmãs ainda criança e foi criado por um pai controlador. O pintor também não tinha boa saúde e a morte foi praticamente uma presença constante em sua vida. Suas últimas obras continham os sentimentos que lhes eram comuns: o medo de forças da natureza, da morte e a melancolia.